domingo, 18 de dezembro de 2011

Um fogo novo na Vida religios


ROSA MARIA SEVERINO, FS
A seguinte experiência deixa bem claro que o Espírito Santo está suscitando novas formas de Vida consagrada na Igreja e que essas Novas Comunidades podem iluminar os carismas chamados “históricos”. O fato é que, num ambiente de diálogo trinitário, é possível uma fecundação mútua entre estas realidades. E, com isso, a própria Igreja sai ganhando, ao dar uma resposta viva ao apelo do Papa João Paulo II de “lançar as redes em águas mais profundas” (cf. NMI, 1).
Um dos grandes apelos do final do século XIX, foi a educação da juventude. Para responder a este clamor, nasceu no ano de 1854, em Siessen, no sul da Alemanha, a Congregação das Franciscanas de Siessen. No decorrer da história, principalmente na secularização e períodos de guerras, fez-se necessário encontrar novos modos de educar a juventude. A missão na África do Sul e a vinda para o Brasil,são frutos da corajosa abertura para os clamores dos tempos.
Durante mais de sessenta anos, nossas religiosas foram verdadeiras missionárias na educação e evangelização da juventude, por este Brasil a fora. No entanto, na década de 1980, nasce uma inquietação em relação à tarefa da educação nas escolas. Nos anos 1990, a situação parecia insustentável: falta de vocações, concorrência com outras grandes escolas, crise financeira, entre outras dificuldades. Era o momento de pensar em algo novo.
Várias propostas foram apresentadas, mas sem vibração. Nasce a pergunta: “Mas o que é o novo?” Nesse momento de fragilidade, Deus se apresenta carinhosamente com uma proposta exigente e radical. Ir. Judith Jung, nossa Superiora Geral, conhece Frei Hans Stapel, OFM, que nos apresenta a realidade da Fazenda da Esperança. Aqui inicia um novo caminho. Duas irmãs são enviadas da Alemanha para morar junto com as recuperandas no Centro de recuperação feminino, em Guaratinguetá (SP) e experimentar esse novo jeito de viver o Evangelho, que – como o Papa Bento XVI disse por ocasião de sua histórica visita à Fazenda da Esperança – encontra sua raiz no carisma de São Francisco e na Espiritualidade da Unidade, o carisma do Movimento dos Focolares. Algumas religiosas brasileiras integram-se ao grupo. As jovens formandas também são convidadas a morar junto às recuperandas para experimentar esse fogo novo que vai se alastrando.
Foi fantástico como Deus nos conduziu. Em poucos meses, os três colégios foram vendidos. Então, sentimos que chegara a hora de dar um passo largo e corajoso. Não era possível continuar paradas, olhando para as antigas obras. Em meio a muitas dores, incompreensões, resistências, orações e esperanças nascia uma verdadeira “Aliança” entre a Fazenda Esperança e as Irmãs Franciscanas de Siessen. Mudamos a Sede Provincial de Agudos (SP), bem como a Casa de formação para Guaratinguetá (SP), ao lado do Centro de recuperação feminino. Iniciamos ainda uma comunidade na Fazenda da Esperança no bairro de Pedrinhas, em Guaratinguetá, junto aos rapazes em recuperação e outra em Coroatá (MA), onde as religiosas ajudam nos Centros masculino e feminino e acompanham a realidade dos menores abandonados.
Como em toda a História da Salvação, algumas pessoas deram a vida concretamente para esse novo projeto. Em diversas decisões, precisávamos obedecer sem nada compreender. Ao mesmo tempo, uma nova esperança surgia entre nós.
Eu, à distancia, concordava em parte, pois via a vibração daquelas que estavam mais inseridas. Mesmo assim, era resistente. A maior dificuldade era aceitar que nossas jovens morassem com as recuperandas. Fui convidada a assumir o acompanhamento do noviciado. Certamente movidas pela sabedoria, a Madre Geral e a Provincial pediram que eu fizesse a experiência de morar junto com as meninas. Diante da proposta, foram meses de julgamentos e resistências, ate dobrar meu orgulho e deixar-me conduzir por Deus. Aceitei o desafio. Fui morar no “Centro de triagem”, onde as meninas chegam, todas arrebentadas pelo “mundão”. A casa ficava isolada de tudo, 30 km da cidade, no meio das montanhas. Foi muito difícil. Sentia medo. Um sentimento de inutilidade me dominava. Toda minha experiência de professora, coordenadora, de pastoral de nada valia para aquelas vidas tão destruídas, com as quais não sabia lidar. Logo percebi que eu mesma precisava recuperar-me dos preconceitos, do individualismo e de tantas outras “drogas”. A solução era morrer para os meus esquemas, guardar os livros, viver a Palavra de Deus no dia a dia e obedecer às coordenadoras (uma ex-recuperanda e uma recuperanda que tinha a metade de minha idade). Jamais esquecerei o sorriso de Kely, uma garota de rua, com quem fiz a primeira experiência da Palavra vivida, na cozinha, fazendo pão. Escutar as meninas em suas dores, acompanhá-las no processo do auto-perdão, ajudá-las a experimentar a misericórdia de Deus, mesmo se já fizeram um ou até dez abortos... enfim, algo que me fascina e ajuda manter viva minha espiritualidade e opção pela vida. Deus deu-nos a graça de entender que essa é a melhor escola de formação para as jovens que são chamadas a viver o nosso carisma: abraçar Jesus encarnado, crucificado e ressuscitado. “A presença das Irmãs na Fazenda é muito importante. Elas transmitem paz, dão muito apoio e ensinam a todos que Deus é a única esperança. Elas ajudam, sobretudo, a aceitar as nossas dores” (Dª Cleide – ex-recuperanda – aluna da Escola de Comunhão).
Já se passaram alguns anos que estou nessa aventura. Acompanhar tanto as jovens candidatas, como as recuperandas com suas dores, misérias e perceber como Deus vai agindo em cada uma, é um processo de conversão contínuo. Nosso carisma fica cada vez mais vivo. A cada dia, há oportunidade de “abraçar Jesus Leproso”, como fez São Francisco. Para nossas aspirantes e noviças, a convivência direta com as recuperandas é mesmo uma graça, pois ajuda as formandas no confronto com seus próprios valores e misérias. Dar catequese, falar do Deus da Vida para essas meninas marcadas pelos abusos, abortos, assassinatos etc., só com muito amor e coerência de vida. Não suportam discursos e doutrinas “frias”. A vivência concreta da Palavra e do amor concreto, no cotidiano, as exigências da convivência com suas inúmeras diferenças, garantem um amadurecimento real na vocação. Esse tem sido um dos maiores ganhos para a renovação de nossa Congregação.
“Sou aspirante das Irmãs Franciscanas de Siessen. Minha decisão por esta Congregação foi pelo trabalho das irmãs com jovens na Fazenda Esperança. Fiquei encantada com as experiências que as aspirantes faziam junto às recuperandas. Atualmente, participo da Escola de Comunhão na Fazenda da Esperança. Para mim é realmente uma escola diferente, porque não é só uma escola; é uma família, onde partilhamos nossa alma, colocamos tudo em comum, nos formamos para gerar vida, em Jesus Cristo. Outra experiência marcante em minha vida é a convivência na Casa de Apoio Sol Nascente, para pessoas que têm o vírus HIV. Algumas em cadeira de roda, outras no leito, elas têm muita alegria de viver, mesmo estando tão debilitadas. Estar com elas, é fazer a experiência de Jesus Cristo Ressuscitado” (Maria Pereira dos Santos, aspirante).
“Sou do interior da Bahia. Nunca tive contato com dependentes químicos. No meu aspirantado, fui morar com as recuperandas. No início sofri, mas ao mesmo tempo me encantava ver aquelas jovens, cada uma com sua história difícil e escrava das drogas, vivendo o Evangelho. Era interessante, como ainda tinham sonhos! Com elas, aprendi especialmente reconciliar-me com meu pai, valorizar minha família e viver a Palavra do Evangelho no dia-a-dia. Hoje, no noviciado, sou catequista dessas meninas. É doloroso ver o quanto ainda há jovens sem conhecer Jesus Cristo. E ao mesmo tempo é tão bonito ver a sede que elas têm de Deus e a abertura que dão para a ação de Deus em suas vidas. Essas experiências concretas que fiz com elas, lembram-me São Francisco quando abraçou o leproso. Portanto, essa vida contribuiu muito para o amadurecimento de minha vocação franciscana” (Angelice Portela dos Santos, noviça).
Com o coração agradecido a Deus, posso afirmar que a possibilidade de dar aula na Escola de Comunhão, sobre o Carisma Franciscano e no campo da formação missionária, está me oferecendo uma preciosa oportunidade de atualização.
Outra experiência interessante é o encontro das Irmãs idosas com as recuperandas, seja juntas nos trabalhos manuais, carregando uma Irmã na cadeira de rodas, ouvindo um conselho experiente, rezando ou simplesmente ouvindo umas às outras.
“As Irmãs de Siessen para mim são uma presença de Maria no meio de nós. Formar essa aliança com elas me faz pensar na possibilidade de toda uma comunidade poder se relacionar através de Deus-Amor. Muitas vezes, uma conversa com elas me dá a resposta de que precisava” (Maria Belém, voluntária, aluna da Escola de Comunhão).
Para as Irmãs jovens também surge um novo campo de trabalho, além de ajudar na manutenção da Província, abre um novo modo de anunciar o Evangelho.
“Eu, Ir. Márcia, estudante de Psicologia, tenho a oportunidade de realizar um dos estágios na Fazenda da Esperança. Toda semana faço o trabalho de escuta e percebo a necessidade que estas jovens têm de serem ouvidas, amadas e acolhidas na condição em que se encontram. É uma experiência gratificante e uma forma de conciliar meu trabalho profissional com nosso carisma”.
“Sou da primeira turma de formandas, que veio fazer experiência com as recuperandas. Os desafios foram muitos, mas Deus nos conduziu de modo bem visível. Hoje, como irmã de votos perpétuos, trabalho na Fazenda Esperança como Profissional. Uma experiência que gostei demais foi em Coroatá (MA), junto aos menores, (a Casa dos Menores é uma das filiais da Fazenda Esperança). Acompanhava-os na Fazenda, dando formação humana e espiritual. Porém, trabalhava como assistente social, na mesma escola em que estudavam. Tornei-me o ponto de referência para eles e sempre tinha a oportunidade de defendê-los contra as discriminações e para que tivessem um tratamento justo” (Ir. Marines de Paula).
Ainda gostaria de comunicar que o carnaval, a festa junina e as grandes festas religiosas, são sempre celebradas juntas com o Centro feminino e, com isso, se tornam muito mais uma expressão de “vida”. O bloco de carnaval das Irmãs é um verdadeiro “show”. Todos nós guardamos a lembrança da Ir. Hildegunda, com seus 78 anos, dançando “São João”, toda enfeitada. Agora, ela está no céu!
Como Deus é “escandalosamente” misericordioso para conosco, dando-nos de presente a Casa “Sol Nascente” que acolhe portadores de HIV, na fase terminal. Nossas aspirantes fazem experiências com eles, rezando junto, dando catequese, e sendo uma presença mariana naquela casa. Com a morte do Sr. João Rozendo, o fundador, assumimos a coordenação geral. Ali podemos vivenciar o amor gratuito proposto por São Francisco: “E devem alegrar-se quando se acharem entre pessoas vis e desprezadas ou entre os pobres, os fracos, os leprosos e junto dos que mendigam pela rua”.
Disponível na revista Unidade e Carismas. Nº 4. 2009

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