quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Primeira Parte A FIDELIDADE, FONTE DE VIDA PLENA.


1. INTRODUÇÃO
A finalidade desta reflexão, mais que pretender dizer algo "novo", é estimular a reflexão comum. Por isso, procurarei manter-me o mais fiel possível ao título e ao significado do mesmo: oferecer uma moldura antropológica na qual possam situar-se propostas que ajudem a robustecer a fidelidade da vida consagrada daqueles que a ela são chamados: com particular atenção às gerações jovens.
Está fora de dúvida que a problemática fundamental toca a medula e o desenvolvimento da fé, partindo da experiência pessoal e comunitária do Deus de Jesus Cristo. Pressupondo isto, aqui devemos fazer uma "redução metodológica" de uma perspectiva específica: talvez possamos aproximar-nos o mais possível desta problemática, onde Natureza e Graça, sem confundir-se, encontram-se e interagem! Concretamente, o tema da fidelidade (não somente no sentido vocacional) de tal modo toca aspectos essenciais da pessoa, que necessariamente devemos renunciar a uma visão exaustiva, e devemos contentar-nos com situá-lo dentro desta moldura antropológica.
De um lado, esta problemática não é exclusiva da vida religiosa ou consagrada: basta pensar na situação dramática, e muitas vezes trágica, de tantos casamentos e famílias no mundo, mesmo de católicos! No campo da vida religiosa, atinge do mesmo modo Institutos de fundação recente, como Congregações mais antigas e até Ordens eremíticas e monásticas. Mais ainda: embora nos interesse sobretudo em relação às gerações jovens, não se refere somente a elas: a possibilidade de afastar-nos do seguimento radical de Jesus não desaparece até a morte. Como indica bem e perspicazmente D. Bonnhoeffer, a primeira palavra que o Senhor disse a Pedro é também a última: "Segue-me!"
Antes de abordar o conteúdo desta reflexão, convém explicitar formalmente a sua avaliação assiológica: trata-se de uma situação problemática, até memo perigosa, da qual é preciso defender-se, ou de ums que, além de ser inevitável, torna-se um desafio fascinante para a nossa fidelidade criativa a Deus, à Igreja e à humanidade? Penso que estamos convencidos de que, não obstante toda a seriedade que a situação exige, trata-se antes desta segunda alternativa: é a conseqüência de crer que o Espírito Santo continua presente e atuante em nossa Igreja e no mundo; mas também porque neste, como em muitos outros aspectos, se faz presente a "lei do pêndulo”: o nosso tempo sublinha dialeticamente elementos que, de forma explicável mas injusta, tinham sido descuidados em outras épocas. De nós depende, com a ajuda do mesmo Espírito, buscar o seu justo equilíbrio.
Falando simbolicamente: a cultura atual, sobretudo juvenil, deu uma volta total no caleidoscópio antropológico: contempla-se uma imagem totalmente nova, mas na qual podemos reconhecer os mesmos fatores estruturais que, na cultura precedente, refletiam a luz de um modo muito diferente, e por isto, também projetavam uma imagem diferente. Cremos, pois, que se trata, segundo a feliz expressão de G. K. Chesterton, de uma daquelas virtudes que se tornaram "loucas": esperamos que a doença não seja incurável!
Ainda no campo formal, achei mais conveniente escolher uma linha, entre outras, esperando que seja suficientemente relevante como para oferecer pistas de reflexão suficientes.A alternativa teria sido acenar a muitos elementos, necessariamente de modo superficial e impossível de aprofundar. Com outras palavras, recordando o provérbio: "quem tudo quer tudo perde", optei pela atitude oposta: abranger pouco, para tentar privilegiar a profundidade.
2. A HISTORICIDADE, HORIZONTE E CAMINHO DE REALIZAÇÃO HUMANA
Não há dúvida que, entre muitos outros fatores que configuram a cultura atual, a "descoberta" da historicidade humana constitui um dos mais relevantes. Não se trata de algo "novo" que não existia antes, ou que não era percebido universalmente. Trata-se antes daquelas coordenadas da existência humana que, justamente porque são onipresentes, correm o perigo, paradoxalmente, de tornar-se inatingíveis. Bastaria tomar qualquer página da Sagrada Escritura para reconhecer que a Palavra de Deus não se compreende absolutamente sem o pressuposto da historicidade humana. Sem ela, nem a revelação de Deus, nem a liberdade humana, nem o pecado ou a conversão existiriam.
Esta "presença implícita" da historicidade humana na Revelação acentua, entre outros fatores, o valor do "hoje" defronte do passado, e até do futuro: o que conta não é, digamo-lo com uma imagem, o peso das ações boas ou más realizadas e colocadas numa balança, e sim a situação atual. Recordemos, entre muitos outros, o célebre texto de Ezequiel: “Se o malvado se afasta de todos os pecados que cometeu e observa todos os meus preceitos e age com justiça e retidão, ele viverà, não morrerá. Nenhuma das culpas cometidas será recordada, mas viverá pela justiça que praticou " (Ez. 18, 21-22). Igualmente, o salmo 95 (94), sugerido no início da oração litúrgica cotidiana: "Se ouvirdes hoje a voz do Senhor, não endureçais o vosso coração" (v. 7-8); ou, mais dramaticamente, as comoventes palavras de Jesus na cruz ao ladrão arrependido: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). Isto leva, sem dúvida, a uma avaliação mais qualitativa que "quantitativa" da existência humana, sem identificá-la, necessariamente, com a relação entre atitudes e atos no campo moral.
Por isso, falando de "descoberta", referimo-nos mais precisamente à sua tematização explícita, ligada à filosofia do século XX, (mesmo se as raízes já se encontram ao menos no século XIX), e, mais concretamente, ao existencialismo, constituindo uma das contribuições mais válidas e permanentes desta corrente filosófica e cultural.
Como o título deste parágrafo indica, "horizonte e caminho", não se quer indicar apenas que o ser humano vive na história (dentro do mundo e do universo inteiro, que, analogamente, podem chamar-se também, graças à mediação humana, "históricos"): isto é evidente; porém, mais intrinsecamente, pretende-se afirmar que o homem é um "ser histórico" justamente porque se realiza, ou se destrói, na história: tanto no nível pessoal, como comunitário, e até em escala mundial: principalmente numa época na qual as coordenadas geográficas cedem sempre mais a sua relevância às históricas, nesta "aldeia global" que está se tornando o nosso planeta.
Não se trata somente de uma importância quantitativa, um "mais"; porém, sobretudo de uma relevância qualitativa, já que a historicidade constitui um paradigma, erige-se no centro de uma Gestalt que inclui todos os elementos estruturais humanos de uma nova síntese (recordando a imagem do caleidoscópio).
Esta tematização da historicidade trouxe conseqüências em todos os campos da existência humana: basta recordar a revolução que provocou no conceito de educação e formação, entendida como "formação permanente", referida em primeiro lugar não à atualização específica ou eventual, como muitas vezes se entende, mas à convicção de que estamos em formação a vida toda, e que, portanto, não podemos considerar ninguém já "formado." (Analogamente, no campo moral, não se concebe um "homo viator" definitivamente perdido, nem já “confirmado na graça”).
Isto traz consigo uma mudança radical na maneira de expor a "formação inicial", e mesmo a etapa seguinte, inadequadamente chamada "formação permanente", como se fosse posterior à inicial. Embora levando em conta que a coisa mais importante não é mudar as palavras, e sim renovar seu conteúdo, convém ao menos mencionar o problema, que não é simples, da maneira de impostar esta "formação inicial" de modo que não seja, nem algo separado daquilo que virá depois, e menos ainda um antídoto contra, mas tampouco se limite a uma simples "primeira etapa" de um processo. No fundo, procura-se esclarecer o que significa dizer que "a formação (enquanto) permanente anima e orienta a formação inicial."
Neste horizonte de historicidade, integra-se plenamente uma daquelas "palavras-chave" que atualmente “têm direito de cidadania” até na vida consagrada: a busca da realização pessoal. Trata-se de um aspecto ineludível, mas também fonte de mal-endtendidos e mesmo de frustrações.
A respeito disto, gostaria de mencionar um texto esclarecedor do Pe. Friedrich Wulf SJ, que fala da fenomenologia teológica da vida religiosa:
"Na base da vida religiosa que deseja ter um fundamento teológico e espiritual, encontra-se um ser tocado pelo Mistério Divino do mundo e da vida (...) Este impacto se apresenta sobretudo de três modos: como ser tocado por Deus, por Jesus Cristo ou pela situação funesta do mundo. Trata-se de tipos ideais que apenas ressaltam diversos centros de gravidade, mas não existem jamais em forma pura. São estreitamente vinculados pelos seu próprio conteúdo, isto é, pela revelação cristã. Um ser tocado por Deus que não incluísse a mediação decisiva e o múnus redentor de Jesus, como a responsabilidade pela salvação do mundo e dos outros seres humanos, seria tão pouco cristão como um ser preocupado pela situação funesta do mundo que não tivesse como centro o Deus da nossa salvação, revelado em Jesus. Quem escolhesse como finalidade da sua vida, na medida em que se pode escolher por si mesmo, uma mística e contemplação que excluísse o mundo, seria tão culpado de retalhar essencialmente a mensagem salvífica cristã, como aquele que concebesse a sua vocação apostólica somente como um serviço funcional. Não obstante isto, deve haver prioridades, acentuações, porque senão tudo continuaria a ser teoria e não se adequaria à peculiaridade de cada um, à especificidade e vocação pessoal"[1].
Tudo isto é plenamente válido e esclarecedor; mas não é verdade que, junto com esta tripla motivação essencial e inseparável da vida religiosa e consagrada – o absoluto de Deus, a seqüela/imitação de Jesus Cristo e a salvação do mundo – ressalta-se, ao menos de modo implícito, a preocupação pela realização pessoal? Pode resultar fácil ignorar, e até querer excluir este aspecto, como expressão de egoísmo individualista e de um "psicologismo" malsão: todavia, se lemos com atenção o Evangelho, jamais encontraremos uma recusa, por parte de Jesus, desta pretensão: o que o Senhor faz é indicar o caminho autêntico para esta realização. Não é significativo que tenhamos esquecido demasiadas vezes que as bem-aventuranças não são normas morais ou religiosas, e sim promessas de felicidade?
Mais do que rejeitar ou anatematizar, é preciso discernir e esclarecer: somente é válida, na vida consagrada, quando se trata de uma realização em Cristo, unida indissoluvelmente aos três aspectos acima mencionados. Evidentemente, aqui exerce uma função decisiva a justa compreensão e atuação do conceito de idoneidade vocacional que permite integrar ambas as dimensões, a objetiva e a subjetiva.
Um dos aspectos mais fascinantes na contemplação dos grandes santos e santas, é considerá-los como pessoas realizadas e felizes. Se somos chamados a ser, como diz Vita Consecrata, uma "terapia espiritual" para o mundo de hoje, e queremos salientar o "profundo significado antropológico" dos conselhos evangélicos, não podemos ignorar esta dimensão: não basta viver a castidade, a pobreza e a obediência de maneira radical e plena: é necessário que, mesmo no nível humano, sejam atitudes irradiantes e atraentes, expressão de maturidade e plenitude (cfr. VC 87-91).
3. A LIBERDADE, O VALOR SUPREMO DA REALIZAÇÃO HUMANA
No interior do paradigma da historicidade, a liberdade adquire uma importância decisiva, justamente porque o ser humano se percebe, não como algo "programado de antemão", como um computador, mesmo o mais sofisticado, e sim como uma pessoa, como alguém que tem a vida nas próprias mãos, que pode dispor dela, que pode decidir o que deseja fazer com ela; aliás: o que quer ser, através dela.
Neste sentido, podemos recordar a frase, intencionalmente exagerada e provocadora de J.-P. Sartre: “A existência precede a essência.” Ninguém, nenhum ser humano ou divino pode decidir por mim aquilo que eu quero ser. Por detrás desta atitude podemos encontrar a expressão de um prometeísmo mais ou menos ateu, mas também um desafio que nos faça compreender que Deus não pode querer de nós, seus filhos, um amor e uma dedicação que não sejam plenamente livres.
Convém analisar mais a fundo a liberdade como dimensão essencial do ser humano. Sem dúvida, não podemos aceitar uma supremacia da liberdade que procure elevar-se acima de qualquer instância ou valor: mas tampouco pode-se rejeitá-la ou pregar contra ela. Lamentamos muitas vezes uma liberdade que degenera em libertinagem, etc.; mas qual é o perfil e a dinâmica desta atitude, para poder compreendê-la, enfrentá-la e dar-lhe resposta?
De forma semelhante à historicidade, esta superestima da liberdade não é só quantitativa (“o máximo"), mas também qualitativa, isto é núcleo de um paradigma em torno do qual giram todos os outros valores. Quando não se leva isto em consideração, torna-se impossível entender certas atitudes que parecem contraditórias.
Menciono um exemplo, não certamente casual. Diante do deplorável tema dos abusos e moléstias sexuais, sem dúvida injustificáveis, e da não menos deplorável manipulação dos mesmos, constatamos na sociedade e nos meios de comunicação uma "dupla medida" muitas vezes hipócrita: como é possível que esta sociedade, que procura punir a mínima falta neste particular, tolere ao mesmo tempo a sua exacerbação em forma de pornografia quase sem restrições? Vista do paradigma da sexualidade, esta atitude dupla resulta incompreensível; mas a partir de outro paradigma, o da liberdade, não só é compreensível, mas torna-se lógico: no fundo afirma que, quando se trata de adultos (= maiores de 18 anos), podem fazer o que quiserem, com absoluta liberdade, contanto que não prejudiquem a terceiros (aqui novamente: "na sua liberdade").
Obviamente, não procuro de modo algum justificar tal atitude; ao contrário, aqui se percebe, a meu ver, o cerne do verdadeiro problema. Como se indicava acima, não se trata só de uma avaliação quantitativa (= exagerada) da liberdade, mas é considerada, qualitativamente, como paradigma da realização humana. Diante disto, é preciso dizer: a liberdade não constitui um paradigma, não é o valor fundamental que permite a realização da pessoa humana: é, ao invés, a característica que deve acompanhar todos os valores humanos, para que o sejam realmente.
Com outras palavras: a liberdade, como adjetivo, deve acompanhar todo substantivo: senão, este último perde o seu caráter de valor. Porém, quando o adjetivo quer tornar-se substantivo, absolutiza a liberdade, autodestruindo-se, e destruindo o próprio sujeito. (Convém recordar a etimologia da palavra "absoluto": ab-solutus nos evoca o “desligamento” de qualquer outra coisa).
Contra esta absolutização formalista da liberdade, podemos citar até um autor de modo algum suspeito de “ascetismo”, Frederico Nietzsche:
"Tu te chamas livre? Quero conhecer teu pensamento dominante, e não que escapaste de um jugo. És alguém ao qual é lícito escapar de um jugo? Mais de um lançou para fora de si o seu último valor jogando fora a sua última escravidão. Livre de que? Isto pouco interessa a Zaratustra! Os teus olhos devem anunciar-me com clareza: livre para que?”[2] (o grifo é do autor).
Gostaria de aprofundar este tema recorrendo ao pensamento daquele que tem sido considerado, na literatura universal, o maior conhecedor do coração humano: F. M. Dostoievski. É um lugar comum citá-lo como o escritor que defendeu, mais do que qualquer outro, a liberdade humana; todavia soube, por outro lado, apresentar genialmente os riscos desta mesma liberdade, quando procura elevar-se como valor absoluto da existência humana. Dentro da impressionante galeria de personagens de Dostoievski, encontramos três que encarnam, de diferentes perspectivas, a tentação da liberdade absoluta, que corre o risco de levá-los à autodestruição, e em dois casos acontece (mediante o suicídio). Na perspectiva ética, encontramos Raskolnikov, de Crime e Castigo, obsessionado pela questão da posssibilidade de existirem "homens superiores", e se lhes é lícito fazer tudo (e, concretamente, se ele é um desses seres excepcionais); Kirillov, no romance Os Demônios, que encarna a radicalização teológica da liberdade, pretendendo contemporaneamente eliminar e suplantar Deus, entendido como Senhor déspota absoluto e Patrão de toda liberdade; e sobretudo Stavroguin, no mesmo romance, do ponto de vista ontológico: personagem fascinante para todos os que o rodeiam, embora se trate apenas de uma bela estátua que, infelizmente, na realidade é vazia por dentro.
Um dos melhores especialistas de Dostoievski, Luigi Pareyson, comenta:
A sua liberdade é puro arbítrio, que, não tendo diante de si nenhuma norma para violar, tampouco tem um objetivo para se propor, e portanto gira sem rumo, dissolvendo-se na apatia, na náusea, na inatividade, numa espécie de inútil experimentação e de inércia destrutiva. Seu poder era grande e temível, e grande e terrível é a destruição que daí deriva: os homens que sofreram seu influxo se perdem; e ele próprio, ‘caráter sombrio e demoníaco’, põe-se o problema supremo: ser ou não ser? Viver ou destruir-se?’ E se destrói: o suicídio imprime o selo do nada a uma vida que teve somente o nada como lema”[3].
Sem dúvida, trata-se de casos extremos; mas justamente por isto, manifestam com perfeição o perigo de uma liberdade que não aceita, humildemente, ser adjetivo que acompanha inseparavelmente os valores que realizam, humanamente – e, no nosso caso, tambémcristãmente e religiosamente – a pessoa: em primeiro lugar e antes de tudo, o amor, porque não existe amor autêntico que não seja livre. A liberdade é o incontornável terminus a quo da realização humana, abaixo do qual perdemos a nossa dignidade humana, e nos transformamos no rebanho que segue o Grande Inquisidor (e Deus nos livre de ser "grandes inquisidores" que atentam contra a liberdade dos seus irmãos!): mas de nenhum modo constitui o terminus ad quem desta realização.
4. "...É UMA EXPERIÊNCIA...”
Dentro desta constelação de valores (historicidade – liberdade – realização) ocupa um lugar privilegiado a experiência. Palavra "mágica", que tem uma íntima relação com cada um deles: permite a realização humana, no horizonte da historicidade, como momento privilegiado do exercício da liberdade.
Deixando de lado a análise, sem dúvida enriquecedora, da etimologia desta palavra a partir de diversos campos lingüísticos, sobretudo o latino (ex-perior = expertus) e o germânico (Erfahrung = er-fahren), vamos diretamente ao seu significado típico. Aqui também, convém precisar que não se trata de uma realidade "nova": nas diversas culturas existem expressões proverbiais que manifestam a dificuldade de "aprender com a cabeça do outro” e tirar proveito.
Desde sempre percebeu-se que viver tudo na primeira pessoa é algo certamente não sempre desejável, mas em todo caso inevitável.
Além disto, em praticamente todas as culturas tradicionais existem "ritos de iniciação" que tornam possível a passagem de uma etapa a uma outra da vida, experiências que envolvem a pessoa toda, e não só a sua capacidade intelectual ou afetiva, mas sim ambas as dimensões ao mesmo tempo, como também a sua realidade corporal, muitas vezes de maneira dolorosa. É mister acrescentar, todavia, que, embora esses "ritos de iniciação " persistam na cultura atual[4], em formas muitas vezes disfarçadas, existe uma diferença essencial: atualmente não se procura, através destas experiências únicas, integrar-se no passado mítico, mas abrir-se a um futuro promissor, rejeitando – algumas vezes de modo explícito - o seu passado.
Nesta linha experiencial podemos mencionar a dimensão mistagógica da catequese cristã dos primeiros séculos, que visava não apenas preparar os catecúmenos mediante aquisição de conhecimentos, mas também fazê-los viver uma experiência de encontro com o Senhor Jesus e, por meio dele, no Espírito Santo, com o Pai. Hoje em dia também, a pastoral, sobretudo a dos jovens, procura desenvolver esta dimensão essencial. Mais ainda: a experiência mística caracteriza-se justamente por este traço específico do encontro com o Deus Trino e Uno (embora não dependa da capacidade humana, mas é um dom divino).
Tudo isto nos mostra que não estamos perante uma dificuldade a superar, mas sim perante uma realidade muito rica para discernir e assumir: vencendo, sem dúvida, os perigos que implica.
a) Entre esses perigos encontramos, em primeiro lugar, o seu caráter formal
(analogamente ao que se dizia da liberdade). Dá a impressão de que toda experiência se justifica pelo próprio fato de sê-lo: quantas vezes já não ouvimos, para justificar qualquer atitude inaceitável, esta explicação: "...é uma experiência"! Parafraseando, talvez de modo irriverente, a primeira carta de Pedro: a experiência torna-se semelhante ao amor fraterno, na medida em que é um manto que “cobre a multidão dos "pecados"” (cfr. 1Pd 4, 8). Falando da experiência na formação, tenho constatado que, junto com o orgulho, é um dos impedimentos estruturais mais fortes para o arrependimento e a conversão, porque a alternativa seria privar-se da experiência, e isto é percebido, formalmente e a priori, como uma limitação e um empobrecimento. Chegou-se a dizer – graças a Deus, não na vida consagrada! – que qualquer forma de sexualidade, mesmo a mais aberrante, é preferível à abstenção do seu exercício! Parece-me o extremo formalista da avaliação da experiência enquanto tal.
b) Esta maneira de pensar muitas vezes deturpa o próprio sentido da experiência. Já o fato de passar, do singular "da" experiência, como expressão da sabedoria de quem sabe aprender da vida partindo do cotidiano e habitual, ao plural "das" experiências como momentos extraordinários e excepcionais, desloca o acento da atitude para o ato. Há uma canção mexicana que exprime magnificamente isto: “Nada te han enseñado los años, siempre caes en los mismos errores” ("Nada te ensinaram os anos: cais sempre nos mesmos erros ") que equivale a dizer: “tiveste muitas experiências, mas não tens experiência", não aprendeste nada da vida, não te tornaste um "experto" dela.
c) Desta superestima unilateral da própria experiência derivam dois grandes perigos para a vida consagrada atual: o individualismo, justamente porque ninguém pode substituir-me no aprendizado da vida: “é a minha experiência”; e junto com ele, o relativismo: "cada qual pensa conforme sua própria experiência": fora disto, todo o resto é abstração. Não há normas objetivas que possam prevalecer sobre o que a vida me "ensinou".
Gostaria de aprofundar este ponto. A direção espiritual dos religiosos em formação inicial tem-me levado à convicção de que os problemas, sobretudo no campo da afetividade, em larga medida derivam da maneira de enfrentá-los (ou até, de não querer enfrentá-los); além da atitude “da avestruz” a qual, com a cabeça enfiada na areia, pensa que ninguém está vendo a sua situação (quando, na realidade, todos estão perfeitamente informados e comentam com todos, exceto com o interessado), é típico partir do pressuposto: "devo viver sozinho esta experiência de relação afetiva, porque ninguém será capaz de entender-me: vão pensar – a começar dos meus formadores – que se trata de uma moça como qualquer outra, mas é uma pessoa única, singular”, etc... no fundo, ninguém duvida que todo ser humano é unico e singular, e por este motivo não se podem dar "receitas"; mas somos todos seres humanos, concretamente, homens ou mulheres, e por isto pode haver critérios que, dentro da inegável singularidade de cada situação, nos permitem situá-la e discerni-la o mais objetivamente possível, e sobretudo ajudarnos uns aos outros.
d) Para superar este formalismo, é preciso ressaltar que o que importa não é só fazer experiência, mas qual é o valor do qual fazemos experiência: ou seja, o próprio conteúdo. Com isto retomamos o que acima foi dito, a saber: a necessidade de superar uma educação-formação intelectualística que pretenda interiorizar conteúdos vitais sem fazer experiência deles. Falando enfaticamente, e cedendo por uma vez ao jogo de palavras: o que conta não é o valor da experiência, e sim a experiência do valor a interiorizar e assimilar. Nas Constituições dos Salesianos, o artigo central que procura caracterizar a formação como um processo permanente, traz como título: "A experiência formativa", que é assim descrita: "O salesiano faz experiência dos valores da vocação salesiana nos diversos momentos da sua existência, e aceita a ascese que este caminho comporta" (C SDB 98).
Na vida de Buda encontramos uma narração lendária muito significativa. Desde o seu nascimento, seu pai quis evitar-lhe a experiência de todo tipo de situações "negativas" que pusessem em perigo a sua percepção otimista da vida: concretamente a velhice, a doença e a morte. Todavia, essa preocupação foi contraproducente: bastou uma ocasião em que, abandonando o palácio familiar, teve diversos encontros: com um doente, um ancião e um enterro, para mergulhar-se na mais profunda crise depressiva.
Muitas vezes, com a maior boa vontade, queremos fazer algo semelhante, nos diversos campos da vida consagrada, sobretudo na etapa inicial... mas tal atitude, em vez de ser formativa, é profundamente deformante. Precisamos dizer, sem dúvida, que os nossos confrades jovens, e não tanto jovens, não entram precisamente em crise diante do olhar cansado de uma anciã próxima da morte, mas sim diante do olhar cativante de uma bela moça cheia de vida: e especialmente quando se procurou mantê-los à margem de toda experiência "perigosa" no campo da relação afetiva com as pessoas do outro sexo...



[1] F. WULF, Fenomenología teológica de la Vida Religiosa, en: Mysterium Salutis IV/2, Madrid, Ed. Cristiandad, 2ª Edición, 1984, p. 454.

[2] FREDERICO NIETZSCHE, Así habló Zaratustra, Madrid, Alianza Editorial, 1984, 12ª Ed., p. 308.
[3] LUIGI PAREYSON, Le Dimensioni della Libertà in Dostoevskij, in: S. GRACIOTTI, Ed., Dostoevskij nella coscienza d’oggi, Firenze, Sansoni Ed., 1981, p. 110.
[4] Cfr., a este respeito, a extraordinária obra de MIRCEA ELIADE (por exemplo, Lo Sagrado y lo Profano, Barcelona, Ed. Labor, 6a. Ed., 1985.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Apóstolo da Comunicação



Por:   Aparecida Matilde Alves Costa, fsp
Tiago Alberione nasceu em São Lourenço de Fossano, no norte da Itália, no dia 4 de abril de 1884. Ele era o quarto filho de uma família de camponeses, num cenário de pobreza e de simplicidade laboriosa. Quanto tinha dois anos de idade, sua família alugou uma fazenda nas imediações de Cherasco, e esta viveu até 1910.
Quando adolescente, ingressou no seminário menor de Bra, vindo a deixá-lo alguns anos depois. Em outubro de 1900, volta para o seminário, mas dessa vez em Alba, sempre no norte da Itália, onde experimenta de perto a ação de Deus que o escolhe e envia para ser não apenas o sacerdote, mas o grande apóstolo das comunicações e fundador de uma família numerosa na Igreja, a Família Paulina.
Na noite que dividia o século 19 do século 20 - 31 de dezembro de 1900 para 1º de janeiro de 1901-, Tiago, ainda um adolescente de 16 anos, depois de permanecer quatro horas em adoração, percebeu a luz especial vinda da Eucaristia e a palavra que lhe foi dirigida: "Vinde a mim todos"!
Intuiu imediatamente que Deus o chamava para uma missão nova, a de anunciar o Evangelho ao mundo do saber, do trabalho, das questões sociais, com os meios de uma cultura moderna, marcada pela imprensa e outras formas de linguagem que o progresso oferecia para a formação da mentalidade das pessoas. Foi aí  que se sentiu profundamente obrigado a se preparar para fazer algo por Deus e pelas pessoas do século 20, que já abria suas portas.


Um  homem atento -
Em 29 de junho de 1907, Tiago Alberione é ordenado sacerdote na catedral de Alba, lá onde havia recebido uma luz particular, a intuição carismática. Chama-nos a atenção a realização de três jornadas bíblicas nas paróquias de Alba, logo a seguir: em agosto de 1907, realizou três jornadas bíblicas, aos domingos, nas quais explicava a Escritura em forma de catequese.
A insistência dos papas sobre a Sagrada Escritura, Eucaristia, Boa Imprensa, Pastoral  são os sinais que pouco a pouco indicam a padre Tiago Alberione a vontade de Deus. Em 1911, empenha-se diretamente com a imprensa, como membro da comissão diocesana da Boa Imprensa, promovendo em todas as paróquias da diocese Jornadas da Boa Imprensa. Em 1913, ele inicia a sua atividade jornalística como diretor do jornal Gazeta de Alba.

Mas é em 20 de agosto de 1914 que padre Tiago dá o primeiro salto na realização da obra que o Senhor lhe confiara, quando inicia, com uma pequena tipografia, algumas máquinas já usadas e poucos  jovens seminaristas, a Escola Tipográfica Pequeno Operário,que dá origem à Sociedade de São Paulo - Padres e Irmãos Paulinas.
Em junho de 1915, quando a Itália entrava ativamente na Primeira Guerra Mundial, cria um espaço de trabalho e formação para algumas jovens da cidade. Ele instala um laboratório feminino com a finalidade de costurar roupas para os soldados, mas, com o olhar profético de quem enxerga longe, lança o livro A mulher associada ao zelo sacerdotal e dá vida à primeira congregação feminina da Família Paulinas, as Filhas de São Paulo - Irmãs Paulinas.
A missão recebida por padre Tiago Alberione, experiência carismática da mesma natureza das vocações bíblicas e confiada por ele à Família Paulina, é o grande desafio de comunicar a todos o Evangelho de Jesus Cristo como proposta eficaz de libertação. A exemplo de Paulo, o apóstolo da universalidade, o misssionário e a missionária da Familia Paulina são chamados a enfrentar dificuldades, fadigas e entregar a própria vida, a fim de anunciar a verdade na caridade e, assim, levar a esperança ao coração do mundo.
Falecido no dia 26 de novembro de 1971 e beatificado pelo papa João Paulo II no dia 27 de abril de 2003, Tiago Alberione mereceu do papa João Paulo VI este belíssísmo elogio: "Aí está ele: humildade, silencioso, incansável, sempre vigilante, sempre entretido com os seus pensamentos que se mobilizam entre a oração e a ação, sempre atento para perscrutar os sinais dos tempos, isto é, as mais geniais formas de alcançar as pessoas. O nosso padre Alberione deu à Igreja novos instrumentos para manifestar-se, novos meios para dar vigor e amplitude ao seu apostolado e nova consciência da validade e da possiblidade da sua missão no mundo moderno e com os meios modernos".

A Família Paulina

Tiago Alberione imaginou um novo meio para anunciar o Evangelho dentro do espírito de São Paulo, mas com a ajuda dos modernos meios de comunicação.
*Em 20 de agosto de 1914, na cidade italiana de Alba, fundou a Sociedade de São Paulo, os Padres e Irmãos Paulinos. E, com a ajuda da joven Teresa Merlo, fundou a Congregação das Filhas de São Paulo - as Irmãs Paulinas, em 1915.
*Em 1918 fundou a União dos Cooperadores e Cooperadoras Paulinos, uma associação de leigos(as) para o anúncio do Evangelho com a comunicação.
*Em 1924, fundou a Congregação das Irmãs Discípulas do Divino Mestre, para o apostolado eucarístico, sacerdotal e litúrgico, dirigida pela irmã Escolástica Rivata.
*Em outubro de 1938, fundou uma terceira congregação feminina: as Irmãs de Jesus Bom Pastor, chamadas Pastorinhas, atuação missionária ao apostolado pastoral.
*A Família Paulina continuou crescendo entre 1957 e 1960 com as fundações da quarta congregação feminina, o Instituto Rainha dos Apóstolo e os Institutos de Vida Secular Consagrada: São Gabriel Arcanjo, Nossa Senhora da Anunciação, Jesus Sacerdote e Sagrada Família que formam as dez instituições da Família Paulina.

*Texto publicado na Revista Família Cristã, edição de novembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

Comunicando o Deus da Vida

Irmã Dina Siqueira comboniana
Deus chama onde quer e como quer.Com alegria partilho minha experiência do Deus da Vida e da Missão, por Irmã Dina R. de Siqueira Sou irmã Dina Ramos de Siqueira, natural de Salesópolis, interior de São Paulo, missionária comboniana. Aos seis anos, mudei-me para César de Sousa, distrito de Mogi das Cruzes.
Tive a graça de crescer no ambiente missionário da paróquia de São Pedro Apóstolo, dirigida pelas irmãs espiritanas.
Em 1989 os padres combonianos foram convidados pela minha paróquia, para animar a novena da festa do Padroeiro e 'ajudar as missões'. Eles divulgaram a revista missionária 'Sem Fronteiras'. Ao ler o testemunho de entrega de missionários e missionárias, senti que Deus chamava eu também, para ser missionária sem fronteiras.
México foi a minha primeira missão fora do Brasil. Cheguei à terra da 'Mãe do Céu Morena' para continuar os estudos, preparando-me em Comunicação Social.
Em 2006 fui destinada à República Democrática do Congo. Conheci um povo sofrido e marcado pelas décadas de ditadura, inúmeras guerras e saques. Ao mesmo tempo, povo alegre e acolhedor que me fez sentir em casa. Mungbere, pequeno e isolado vilarejo no norte do país, meu campo de atuação. Entre as várias tribos do território estão os pigmeus, que ainda hoje vivem no meio da 'mãe floresta', que lhes garante os meios de subsistência.
Passar da comunicação estudada nos livros àquela vivida na floresta é o desafio que experimentei entre aquele povo nômade. O som do tambor anuncia alegria e dor. Um mastro com folhas secas é sinal de 'mabina,' dança durante a noite inteira. As tatuagens feitas pelas mulheres e crianças, utilizando frutos da floresta, comunicam alegria e beleza. A simplicidade, a acolhida, a música e a dança, juntamente com a solidariedade e a paz, transmitidas por este povo, ainda hoje marginalizado, conquistaram meu coração.
Desenvolvo minha atividade pastoral junto às mulheres pigmeias. As tribos são matriarcais. São elas, as mulheres, que constroem as casas 'cornbele'.  A mulher é a líder da aldeia e responsável pelo desenvolvimento.
A paróquia dispõe do internato que acolhe meninas e meninos pigmeus, dando-lhes a oportunidade de estudo e integração com o povo do vilarejo. Com o mesmo objetivo está implantada também a escola de corte e costura. E para a formação de jovens parteiras, o hospital abre as portas.
O aesso às aldeias é um verdadeiro 'rali' por conta das condições das estradas. Mas a chegada é sempre uma festa. Crianças e adultos correm para dar as boas vindas. Também o momento de deixar a aldeia é celebrado com canções de despedida. O povo sabe comunicar a virtude da acolhida! Aprendi muito. Dou graças a Deus pela experiência da Sua presença, vivenciada no meio
daquele povo.
Agora, preparo-me para começar outro desafio: Animação Missionária e difusão da revista missionária 'Afriquespoir'. Tenho esperança de que outras jovens, através da leitura da revista, tornem-se missionárias sem fronteiras. Trago comigo os 15.000 km percorridos em moto durante estes quatro anos, e, sobretudo, a certeza de que Missão é vida e a vida partilhada em Missão comunica o Deus da Vida.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

SEMPRE A CAMINHO DE OLHOS FIXOS EM JESUS!


Levando em consideração os dois temas anteriores, a saber, A importância da fundamentação bíblica-teológica para a VRC na perspectiva laical” e “A vocação do Irmão na sociedade de estabilidade e na sociedade de mudança”, queremos dar continuidade na reflexão e aprofundamento da nossa vocação e identidade religiosa de irmãos propondo que avancemos “Sempre a caminho de olhos fixos em Jesus”.
Neste sentido e a exemplo de Jesus, certo dia, Ele viu uma grande multidão e fixou nela o seu olhar, movendo-se de compaixão. A multidão tinha fome de saúde, de conhecimentos, de perdão, de pão e de lideranças autênticas.
Os Apóstolos também viram a multidão sofrendo necessidades.  Mas o coração deles ainda não estava configurado com o Coração do Mestre.  Por isso, sussurraram ao ouvido: “Despede este povo. A hora está avançada. Aqui não temos como dar-lhes de comer.” Jesus contrapõe e contesta dizendo: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Mesmos que tinham somente cinco pães e dois peixes, uma vez que passaram pelas mãos criadoras de Jesus, que abençoou a “merenda” do “menino” (cf. Jo 6,9) ela se multiplicou (cf. Mc 6, 30-44) a ponto de sobrarem doze cestos. São muitos “meninos e meninas” que continua oferecendo suas contribuições em favor da VRC e do Reino. Este cenário deve também inspirar a nossa missão na VRC.
 “De olhos fixos em Jesus” (Hb 12,2), ao caminhar no seu seguimento, motivados pela paixão por Ele e pelo serviço no Reino, “qualquer que seja o ponto a que chegamos, caminhemos na mesma direção” (Fl 3,16). O nosso olhar despertou e se ergueu para Jesus. Isso foi possível porque Jesus fixou primeiro em nós o seu olhar de ternura e de salvação.
Jesus continua hoje fixando seu olhar em nós convidando-nos a não perdê-lo jamais de vista. Desta forma, como irmãos consagrados, abre-se diante de nós um novo Horizonte e novas Prioridades para prosseguirmos o caminho de vida e de missão no serviço do Reino.
Perguntemo-nos, pois, que Vida Religiosa Consagrada queremos cultivar e construir daqui para frente?  Inspirada e orientada com os olhos fixos em Jesus (Hb 12,2), a partir dos três olhares: da Palavra (Lc 19,1-10; Mc 10,46-52; Mt 25,31-46) (Bíblia), do Reino (Lc 4,14-30) (Teologia) e da pessoa integrada (Psicologia)!
            Podemos então continuar nos perguntando, como revitalizar ou ressignificar a nossa VRC? E que VRC devemos construir e assumir para, em nosso tempo, ser criativamente fiéis ao nosso carisma e alcançar os nossos objetivos? Vivemos novos contextos, estamos inseridos em novos cenários, surgiram novas exigências, por isso, devemos sempre avançar. De onde e para onde? Isto requer uma profunda mudança porque vivemos numa época de mudança. Será que todas as mudanças são progressos humanos, são libertação e promoção da vida humana, cristã e religiosa? De fato, não basta mudar. Mudar para onde e para quê, eis o grande desafio.
            Para encontrar e viver o novo é preciso estar aberto para o novo, quebrar o paradigma que é dinâmico que movimenta e motiva o caminhar da história humana. Realmente, acontecem novos paradigmas, mas, basta ser diferente ou novo para receber o nosso aval? Que paradigmas culturais, religiosos, sociais, teológicos podemos aceitar na VRC?
            A identidade, por sua vez, é sempre criativa, é vida, é inventiva. Tudo que é vida tem uma identidade dinâmica. A questão desafiadora que surge diante da realidade que estamos vivendo é: que mudanças são necessárias? Que novidades devem ser integradas? Que paradigmas devem ser aceitos? Que identidade deve ser cultivada? Por fim, qual é o sentido de minha vida?
Texto inspirado na apresentação da Ir. Vania Dalla Vecchia ND na Assembleia Eletiva do Núcleo de Novo Hamburgo, RS, 16-10-2011.
São Leopoldo, 1 de novembro de 2011
Ir Gabriel Schuh SJ.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

São Martinho de Porres.

No dia 03 de novembro, celebra-se a festa de São Martinho de Porres. Entre outras tantas qualidades, pode ser considerado o proto-tipo do religioso irmão latinoamericano. Impedido pelas leis da Igreja de ingressar na Ordem dos Dominicanos por ser filho ilegítimo, viveu a sua vida cristã de serviço aos mais pobres e, nela, encontrou a santidade de Deus.
Abaixo uma breve biografia de São Martinho (ACI Digital encontrada em: http://www.acidigital.com/santos/santo.php?n=133)

São Martin de Porres 3 do novembro
Nasceu na cidade de Lima, Peru, nos dia 9 de dezembro do ano 1579. Foi filho do Juan de Porres, cavalheiro espanhol da Ordem de Calatrava, e da Ana Velásquez, negra livre panamenha.
Martín é batizado na igreja de São Sebastián, onde anos mais tarde Santa Rosa de Lima também o fora.
São misteriosos os caminhos do Senhor: foi um santo quem o confirmou na fé de seus pais. Foi Santo Turíbio de Mogrovejo, primeiro arcebispo de Lima, quem fez descender o Espírito sobre seu moreno coração, coração que o Senhor foi fazendo manso e humilde como o de sua Mãe.
Aos doze Martín ingressou como aprendiz de cabeleireiro, e assistente de um dentista. A fama de sua santidade corre de boca em boca pela cidade de Lima.
Martín conheceu o frade Juan de Lorenzana, famoso dominicano como teólogo e homem de virtudes, quem o convida a entrar no Convento de Nossa Senhora do Rosário.
As leis naquele tempo lhe impediam de ser religioso pela cor e pela raça, por isso Martín de Porres ingressou como Doado, mas ele se entrega a Deus e sua vida está presidida pelo serviço, a humildade, a obediência e um amor sem medida.
São Martín tem um sonho que Deus lhe desbarata: "Passar desapercebido e ser o último". Seu desejo mais profundo sempre é de seguir a Jesus. Confia-lhe a limpeza da casa; por isso a vassoura será, com a cruz, a grande companheira de sua vida.
Serve e atende a todos, mas não é compreendido por todos. Um dia cortava o cabelo de um estudante: molestado diante do melhor sorriso de Frei Martín, não duvida em insultá-lo: Cão mulato! Hipócrita! A resposta foi um generoso sorriso.
São Martín já estava há dois anos no convento, e fazia seis que não via a seu pai, este o visita e… depois de dialogar com o P. Provincial, deste e o Conselho do Convento decidem que Frei Martín se converta em irmão cooperador.
Em 2 de junho de 1603 se consagra a Deus por sua profissão religiosa. O Pe. Fernando Aragonés declarará: "exercitava-se na caridade dia e noite, curando doentes, dando esmola a espanhóis, índios e negros, a todos queria, amava e curava com singular amor". A portaria do convento é um rastro de soldados humildes, índios, mulatos, e negros; ele estava acostumado a repetir: "Não há satisfação maior que dar aos pobres".
Sua irmã Juana tinha boa posição social, por isso, em um imóvel dela, dava proteção a doentes e pobres. E em seu pátio acolhe a cães, gatos e ratos.
Logo a virtude do moreno deixou de ser um segredo. Seu serviço como enfermeiro se estendia desde seus irmãos dominicanos até as pessoas mais abandonadas que podia encontrar na rua. Sua humildade foi provada na dor da injúria, inclusive de parte de alguns religiosos dominicanos. Incompreensão e invejas: caminho de contradições que foi assemelhando ao mulato a seu Reconciliador.
Os religiosos da Cidade Virreinal vão de surpresa em surpresa, por isso o Superior o proíbe de realizar nada extraordinário sem seu consentimento. Um dia, quando retornava ao Convento, um pedreiro lhe grita ao cair do andaime; o Santo lhe faz gestos e corre a pedir permissão ao superior, este e o interessado ficam cativados por sua docilidade.
Quando viu que se aproximava o momento feliz de ir gozar da presença de Deus, pediu aos religiosos que lhe rodeavam que entoassem o Credo. Enquanto o cantavam, entregou sua alma a Deus. Era 3 de novembro de 1639.
Sua morte causou profunda comoção na cidade. Tinha sido o irmão e enfermeiro de todos, singularmente dos mais pobres. Todos se disputavam por conseguir alguma relíquia. Toda a cidade lhe deu o último adeus.
Seu culto se estendeu prodigiosamente. Gregório XVI o declarou Beato em 1837. Foi canonizado por João XXIII em 1962. Recordava o Papa, na homilia da canonização, as devoções em que se distinguiu o novo Santo: sua profunda humildade que o fazia considerar a todos superiores a ele, seu zelo apostólico, e suas contínuas insônias por atender a doentes e necessitados, o que lhe valeu, por parte de todo o povo, o formoso apelativo de "Martín da caridade".  Sua festa se celebra em 3 de Novembro.