domingo, 18 de dezembro de 2011

Segunda Parte: A FIDELIDADE, FONTE DE VIDA PLENA


A FIDELIDADE, FONTE DE VIDA PLENA
A Vida Consagrada:
Profecia antropológica na pós-modernidade
Pascual Chavez Villanueva, SDB
Reitor-Mor dos Salesianos

5. A FORMAÇÃO PARA A RENÚNCIA
Finalmente, e ainda em relação à superação do "formalismo", é preciso falar de uma realidade que no nosso tempo mais que em qualquer outro, implica ir “contra a corrente”: a formação para a renúncia. Falando paradoxalmente, é preciso proporcionar a experiência da renúncia. Não é questão de olhar para tempos passados, quando este exercício tinha um caráter totalmente formal: a coisa mais importante era aprender a renunciar... para renunciar, para "avigorar a vontade." Ao contrário, é indispensável redescobrir o valor humano e cristão da autêntica renúncia, para poder viver uma experiência que seja enriquecedora, de maneira que seja assumida positivamente, e não conduza à frustração e à neurose.
Na pequena parábola do comerciante de pérolas preciosas (Mt 13, 45-46), encontramos alguns elementos fundamentais que nos permitem delinear a "fenomenologia da renúncia”:
a) – renuncia-se àquelas pérolas preciosas ("o comerciante vai e vende aquilo que tem") não porque sejam falsas: são autênticas, e constituíram até aquele momento o tesouro do comerciante. Aplicando à nossa realidade, não é certamente um método apropriado aquele que tenta diminuir o valor daquilo a que é preciso renunciar, a fim de que se torne mais fácil. Afinal, renunciar às “coisas más” não constitui a renúncia humana mais profunda e completa. Quantas vezes ouvimos perguntar, como resistência a uma renúncia necessária: “o que há de mal no que estou fazendo?” E tem toda a razão quem fala assim: apenas deve compreender que é justamente então, que se apresenta a oportunidade da renúncia no seu sentido mais autêntico.
b) - renuncia-se a pérolas autênticas, com dor e ao mesmo tempo com alegria, porque encontrou-se "a" pérola definitiva, aquela que encheu os olhos e o coração do comerciante: e ele compreende que não pode adquirir esta, se não vende aquelas. Se a nossa vida consagrada, centrada no seguimento e na imitação do Senhor Jesus, não resulta fascinante, torna-se injusta e desumanizante a renúncia que exige... como diz esplendidamente Potissimum Institutioni: "Somente este amor de caráter nupcial e que implica toda a afetividade da pessoa, permitirá motivar e sustentar as renúncias e as cruzes que encontra necessariamente aquele que deseja ‘perder a sua vida’ por causa de Cristo e do seu Evangelho (cfr. Mc 8, 35)” (n. 9).
c) - a alegria pela posse da "pérola preciosa" nunca elimina completamente o medo de que não seja autêntica: na hipótese de ela ser falsa, a minha decisão teria sido errada, e teria arruinado minha vida. Este "risco" na vida cristã, e mais ainda, na vida consagrada, é uma conseqüência direta da fé; somente na fé tem sentido a nossa vida: se não é verdade aquilo em que acreditamos, "somos os mais infelizes de todos os homens ", parafraseando São Paulo (cfr. 1Cor 15, 19). O dia em que, em qualquer dimensão da vida consagrada, se puder dizer: a "minha vida é plenamente gratificante, mesmo se não é verdade aquilo em que creio", o nosso Instituto se torna... uma ONG, com a agravante que implica certas exigências inaceitáveis para os seus membros...
d) - Jogando de novo com as palavras, não se deve apenas proporcionar a experiência da renúncia, mas também, em muitas situações, é necessária a renúncia à experiência, uma das coisas mais difíceis de entender e aceitar, hoje. Pensamos, por exemplo, no campo afetivo (e sexual): há aqueles que pensam, com as melhores intenções, que a renúncia lhes resultará mais fácil se viverem a experiência correspondente: "ao menos, sei a que renuncio." No fundo, tratase de uma miragem: não podemos seguir todas as diferentes estradas que a vida nos oferece, para escolher depois, numa etapa sucessiva, a que devemos seguir. O que é decisivo – e que uma sólida formação deve proporcionar – é que a pessoa assuma com maturidade esta decisão (palavra que conota, na sua etimologia, "cortar"), e não lamente, durante toda a vida, aquilo que nunca provou, tendendo assim, inevitavelmente, a superestimá-lo: o fruto proibido é sempre o mais desejável.

6. O CONTEXTO ATUAL: A PÓS-MODERNIDADE
Esperando que o que dissemos até agora exprima, de um ponto de vista específico, a situação antropológica da vida consagrada, é mister perguntar-nos: tudo isto constitui uma verdadeira novidade, com respeito a outros tempos? Ou se trata somente, como indicávamos no início, de uma tematização de aspectos que sempre estiveram presentes, ao menos implicitamente?
É evidente que não podemos falar de uma absoluta "novidade", porque seria ignorar que, como seres humanos, temos uma indubitável homogeneidade de base, que se manifesta em todo tempo e lugar. Utilizando uma expressão de Mircea Eliade, é preciso dizer que temos a mesma "estrutura arquetípica" ou, empregando uma imagem mais simples: ainda que a fotografia de cada um fosse muito diversa, a radiografia seria muito semelhante.
Todavia, já que se fala hoje de uma era nova e qualitativamente distinta na história da humanidade, deve implicar fatores que, ao menos na sua maior ou menor incidência, mudaram radicalmente. Concretamente, farei referência a um que concerne plenamente ao nosso tema.
O ser humano, embora viva sempre no presente (é uma verdade lapalissiana), é um "ser de futuro" (E. Bloch, W. Pannenberg): pela própria natureza, é colocado defronte do utópico, daquilo que ainda não "tem lugar" no nosso mundo e na história. Isto pode-se dizer, a fortiori, das gerações jovens, que recebem esta orientação para o futuro da sua própria identidade psicosomática, inscrita até na célula mais “humilde”.
Por isso, constatamos na situação pós-moderna uma tragédia: a ameaça de futuro que pesa sobre a humanidade coloca, sobretudo esta geração jovem, diante de uma contradição existencial: de um lado, com uma exigência irresistível de um horizonte de futuro, e do outro, com a carência deste horizonte. Se a esta atitude acrescentamos a recusa do passado por parte da cultura jovem atual, podemos entender a sua sensação de estar “encerrada” no espaço mínimo que lhe permite o presente, sem outra solução senão tentar "viver o instante que foge" (o átimo fugaz).
Esta ameaça manifesta-se duplamente: de um lado, naquilo que J. Moltmann chamou “a perda da inocência atômica" de Hiroshima em diante5: sabemos – e as notícias mais recentes no-lo recordam ainda – que desde alguns decênios, e pela primeira vez na história do mundo e do homem nele (pelo que sabemos), existe a possibilidade real (que depende, em concreto, da decisão de algumas pessoas) que desapareça a humanidade inteira, como conseqüência de uma conflagração nuclear. O fato de os chefes das nações chegarem a eventuais acordos a este respeito não elimina o perigo: como diz o próprio Moltmann, não recuperaremos jamais a inocência perdida. "A época em que vivemos é, mesmo se tivesse de durar até o infinito, a última época da humanidade... Vivemos no tempo do fim, isto é, daquela época na qual todo dia podemos provocar seu fim"6.
Por outro lado – e não totalmente deslisgada da precedente – encontramos esta ameaça na degradação ecológica, universal e irreversível: pensamos na poluição do ar, na diminuição da água doce, na destruição das matas, no vertiginoso aproveitamento das energias não renováveis.
Como diz o mesmo Moltmann, "todos somos iguais... defronte do buraco de ozônio." Esta "supressão de fora" do horizonte de futuro é um fator típico do nosso tempo, e é fundamental para compreender o obsessivo apego ao presente, e a necessidade de “satisfações” imediatas que caracteriza a era pós-moderna: pois não é a mesma coisa "querer viver o hoje” na perspectiva do amanhã, que ter de ancorar-se no hoje, porque talvez não haverá um amanhã...
Dias atrás um jornal, a respeito de uma recensão de um livro do Prêmio Nobel de Literatura, o escritor h’úngaro Imre Kertész, utilizava esta expressão: “É possível ter filhos depois de Auschwitz"? (evocação da célebre frase: "É possível crer em Deus depois de Auschwitz"?). é a pergunta que hoje se colocam tantos jovens diante do matrimônio e da família: não com um sonho de outros tempos, mas com a angústia diante do futuro no qual lhes caberá viver; vale então a pena trazer novos serres ao mundo? É incontestável que esta "privação de futuro", num sentido muito diferente, atinge também a vida consagrada, em particular as novas gerações.
7. “...EU ESCOLHO TUDO...!”
Poder-se-ia continuar aprofundando o tema da pós-modernidade, mas remeto aos estudos especializados que Vocês bem conhecem. Gostaria, porém, de convidá-los a refletir sobre o presente e o futuro imediato da vida consagrada, mais do que com conceitos teóricos, contemplando uma figura de santidade tipicamente atual na Igreja: Santa Teresinha de Lisieux.
Entre as suas diversas experiências, hoje se sublinha, com justa razão, a da incredulidade e do ateísmo que a santa viveu no final da sua vida, que soube descobrir como dom de Deus e assumir de forma extraordinariamente positiva, como solidariedade com "os distantes de Deus."
Agora desejo ressaltar um outro aspecto. Entre as muitas lembranças da sua infância, uma, aparentemente banal, é particularmente significativa. Um dia, sua irmã Leônia, pensando que era grande demais para brincar com boneca, foi ao encontro das outras com um cesto cheio de roupinhas e de retalhos destinados a fazer bonecas, para cada uma das irmãs escolher. Quando chegou a vez de Teresinha, ela mesma conta: "Estiquei a mão, dizendo: Eu escolho tudo!, e tomei o cesto sem muita cerimônia”7. Poderíamos chamar isto de atitude tipicamente "pósmoderna", de quem não quer renunciar a nada.
Não se trata de uma manifestação infantil de egoísmo: creio que antes exprime um traço muito profundo da sua personalidade. Com efeito, muitos anos depois, num dos momentos mais importantes do seu discernimento espiritual, aflora novamente este anseio em páginas que se tornaram clássicas na espiritualidade cristã: "Sinto em mim outras vocações: sinto a vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de doutor, de mártir; em suma, sinto a necessidade, o desejo de realizar por ti, Jesus, todas as obras mais heróicas... Sinto na minha alma a coragem de um cruzado, de um zuavo pontifício: gostaria de morrer num campo de batalha pela defesa da Igreja (...). Como conciliar estes contrastes? como realizar os desejos da minha pobre pequena alma? (...) Durante a oração os meus desejos me faziam sofrer um verdadeiro martírio.
Abri as epístolas de São Paulo para procurar alguma resposta (...) Li que nem todos podem ser apóstolos, profetas, doutores, etc.; que a Igreja é composta de diversos membros, e que o olho não poderia ser ao mesmo tempo a mão... a resposta era clara, mas não satisfazia os meus desejos, não me dava a paz (...). Sem desencorajar-me continuei a leitura e esta frase me reanimou: 'Procurai com ardor os dons mais perfeitos: mas eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente.' E o apóstolo explica como todos os dons mais perfeitos nada são sem o Amor (...) Finalmente eu tinha encontrado o repouso! (...) A caridade deu-me a chave da minha vocação (...) Entendi que só o amor fazia agir os membros da Igreja: que se o amor devesse extinguir-se, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires recusariam derramar o seu sangue... Entendi que o amor encerrava todas as vocações, que o amor era tudo, que o amor abrangia todos os tempos e lugares... Em suma, que o amor é eterno! Então, no excesso da minha alegria delirante, exclamei: Ó Jesus, meu Amor...! Encontrei finalmente a minha vocação! A minha vocação é o Amor"!...8
Só na medida em que centramos todo o nosso ser no amor a Deus e ao próximo, e fazemos com que a formação inteira, pela vida a fora, tenha a finalidade de crescer no amor, obteremos aquilo que parecia impossível: ter “o todo no fragmento” (evocando Von Balthasar).
Poderemos assim realizar, na limitação, na rotina e na "unicidade" da nossa vida, a totalidade da vocação cristã: compreenderemos que no amor se realiza o paradoxo extraordinário de sermos capazes de renunciar a tudo e, ao mesmo tempo e precisamente por isso, não renunciar, afinal, a nada daquilo que nos permite atingir a nossa plena realização; assim o entendeu e o viveu a pequena santa do Carmelo...
8. A FIDELIDADE NA ERA PÓS-MODERNA
Tudo o que dissemos, afinal, procura situar e robustecer nossa fidelidade consagrada, no tempo difícil e fascinante em que vivemos. Mencionávamos já desde o início que certamente a cultura atual não favoresce a prática da fidelidade: até mesmo, em alguns ambientes, a fidelidade matrimonial é quase uma "exceção."
A motivação bíblica a este respeito é imensa e fascinante. A palavra hebraica que se traduz geralmente por "fidelidade", hésed, conota em primeiro lugar, sobretudo quando se aplica a Javé, a solidez, a força, a persistência no tempo, em contraste com a fragilidade das promessas humanas. Por conseguinte designa a Aliança, tanto no seu aspecto "jurídico", como sobretudo na motivação fundamental que a torna possível, ou seja a solidez do amor de Deus. Neste sentido, comenta um grande exegeta: “A coisa mais maravilhosa para o povo de Israel, não é tanto que Deus o ama, e sim o fato que esse amor seja fidel, duradouro, apesar de tudo" (E. Jacob).
Há dois salmos que, em particular, cantam esta fidelidade do amor de Deus: o 117 (116) que, na sua brevidade, é uma verdadeira jóia: "Louvai o Senhor, povos todos (...) porque forte é o seu amor por nós, e a fidelidade do Senhor dura para sempre”.
De modo semelhante, o "grande Hallel" (136 [135]), não canta tanto o amor divino, mas sim sua fidelidade: “porque eterno é seu amor." Esta garantia do amor de Deus que é firme, sólido, fiel, encontra a sua plenitude no Novo Testamento, na nova e eterna Aliança, em Jesus Cristo.
A vida consagrada é, na sua essência mais profunda, aliança nupcial com Deus e conta com a garantia de sua parte; infelizmente, o "parceiro" humano da Aliança pode falhar; mas mesmo neste caso, "Ele permanece fiel, porque não pode negar-se a si mesmo" (2Tm 2, 13).
Seria muito enriquecedor tentar situar a fidelidade dentro do "paradigma" da
historicidade. Sendo impossível desenvolvê-lo longamente, mencionarei apenas alguns aspectos relevantes.
No início falamos do caráter permanente da formação, o seguimento e a imitação de Jesus Cristo "até a morte." Todavia convém aprofundar esta "permanência" para não acontecer conosco como com tantos casais que continuam a viver unidos por "inércia", embora tenha desaparecido o núcleo que dava sentido à sua aliança, o amor. Se partimos da convicção de que "a formação é a resposta livre à vocação", podemos deduzir a seguinte conclusão: somente pode existir a formação permanente se existe também a experiência da vocação permanente. O Senhor não nos chamou há 10, ou 20, ou 50 anos: chama-nos hoje, desde há 10, ou 20, ou 50 anos. Unicamente esta experiência alegre do Deus que nos ama e nos chama, torna possível uma resposta igualmente alegre e cheia de fidelidade. De maneira quase imperceptível incluímos aqui a historicidade, a experiência, a liberdade e a realização pessoal em Cristo.
Resta, porém, um problema ao qual a geração atual é particularmente sensível. É inegável a generosidade com a qual muitos rapazes e moças se consagram ao serviço dos outros, muitas vezes de forma total; todavia isto acontece por um período determinado de tempo: a coisa mais difícil é assumir um compromisso definitivo, pronunciar um “para sempre”, renunciar por princípio a qualquer outra possibilidade alternativa. “E se a vida me apresenta uma outra estrada? E se chego a encontrar a mulher (o homem) que poderia tornarme feliz? Se as circunstâncias, o lugar, a comunidade, o trabalho em que me encontro agora mudam radicalmente?” Todas estas perguntas têm em comum o fato de fazerem depender a fidelidade de um futuro externo a nós, do qual não podemos dispor. Diante disto, é necessário ressaltar, em todas as etapas da formação (até a morte), que a autêntica fidelidade não depende daquilo que “pode acontecer”, mas daquilo que eu decidi, e que cada dia renovo: o me amor fiel ao Senhor, na entrega total a meus irmãos e irmãs.
A fidelidade tem uma característica típica que a distingue de outras virtudes. Podemos compará-la, no campo das belas artes, com a música em relação à pintura e a escultura: posso contemplar, num só momento, uma bela estátua ou um quadro famoso, mas não posso escutar, instantaneamente, a Nona Sinfonia de Beethoven ou A Flauta Mágica de Mozart: aqui é indispensável o seu “desdobramento” no tempo, a sua "historicidade"... De modo análogo, a fidelidade não pode realizar-se senão como experiência “histórica”. A fidelidade não tem medo do futuro, precisamente porque só nele pode realizar-se como tal; e sobretudo quando se trata da fidelidade do amor e no amor, vive-se em plenitude, mesmo no nível humano, só no horizonte do “para sempre”. É o próprio Nietzsche que afirma: "Toda alegria requer eternidade." Paradoxalmente, aquilo que parecia ser um risco, torna-se a condição indispensável da possibilidade.
Gostaria de terminar este parágrafo com um texto muito bonito, que sem dúvida muitos de Vocês ouviram ou leram alguns decênios atrás. É tirado da famosa Carta sobre o Celibato Sacerdotal, de Karl Rahner. Dirigindo-se ao seu interlocutor, lhe pergunta: "Que valor terão, afinal, para Você esta questão jurídica e todas as previsões jurídicas para o futuro, se Você se mantém fiel à sua vida e às suas decisões fundamentais? No fundo, nenhum.
Permita-me que me exprima francamente e com clareza? Não espero o "futuro", como aquela escultura da catedral de Friburgo que representa uma freira idosa que está mostrando o seu último dente para dar a entender que estava ainda em tempo para casar. Eu já escolhi (...) Sou sacerdote. Jamais me arrependi disto”9.
9. CONCLUSÃO
Se terminasse esta reflexão com um convite a fazer uma relação entre as virtudes teologais e as dimensões do tempo, imagino que pareceria fora de lugar e irrelevante. Tentarei mostrar a sua validade, como conclusão e projeção no futuro.
Diz Cervantes, no Dom Quixote, que não existe livro, por mais feio que seja, que não tenha algo de bom. Aplico isto a uma obra que apareceu nos anos ‘60, e que é considerada a expressão mais radical da “teologia da morte de Deus": o Evangelho do Ateísmo Cristão, do teólogo americano Thomas J. J. Altizer10. Deste livro, as críticas mais benévolas comentaram, ironicamente, que não era nem evangelho, nem ateísmo, nem cristão. Todavia, no final o autor lança um desafio (tal é o título do último capítulo) que podemos aceitar e que permitirá compreender melhor o que queremos dizer.
O autor coloca "as virtudes teologais" (sem chamá-las deste modo) em estreita relação com as dimensões do tempo: a fé com o passado, a esperança com o futuro, o amor com o presente; depois afirma: quem quer basear-se na fé se ancora num passado anacronístico; quem vive na esperança, se aliena refugiando-se num futuro inexistente; é pois necessário rejeitar ambos os modos, para viver no contínuo presente do amor; a esta alternativa se reduziria a vida cristã, segundo Altizer. De algum modo esta mesma idéia encontra-se na interpretação pósmoderna da Encarnação do Filho de Deus em Gianni Vattimo, no seu livro Credere di Credere.
Como dizíamos, é sugestiva esta relação entre as virtudes teologais e as dimensões temporais, embora seja inaceitável o seu caráter de "alternativa": ou esta ou aquela. Ao contrário, somente na sua total integração, como tripla atitude teologal, com um sólido fundamento antropológico, estas três virtudes podem encontrar seu sentido pleno. Embora seja indiscutível que a mais importante é o amor, é necessário salientar que não existe amor cristão sem fé cristã e sem esperança cristã: "E seu mandamento é este: que tenhamos fé no nome de seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, como Ele nos ordenou” (1 Jo 3, 23).
Em vez de nos queixar do tempo atual, assumamos com confiança no Senhor o desafio que nos propõe: somente a partir de uma fé sólida que alimenta uma "esperança viva" e se manifesta num amor concreto e incondicional a Deus e a nossos irmãos nos quais reconhecemos o rosto do Senhor Jesus, poderá ser relevante a nossa fidelidade na vida consagrada: assim tem sido na tradição de nossos Institutos, a começar dos nossos Fundadores e Fundadoras. Só um presente fiel ao seu passado e aberto ao futuro poderá ser relevante e significativo, no contínuo presente do serviço de Deus e do mundo, por amor.
Um árvore é sadia e vigorosa quando tem raízes que afundam na profundidade obscura da terra; quando o seu tronco se projeta para as alturas, recebendo a seiva que a raiz lhe oferece, e possibilitando em seus ramos o nascimento e o amadurecimento de seus frutos. Sem a raiz que remete a um passado histórico concreto e real, sem o tronco da esperança que nos lança para o futuro, e sem os frutos do amor, sempre presente, seremos uma árvore seca, que seria melhor cortar e utilizar como lenha ou deixar simplesmente que seque. Peçamos ao Espírito do Senhor, com a colaboração materna de Maria, que vivifique de tal modo os nossos Institutos, que cada um deles constitua um bosque que ofereça sombra fresca, purifique o ar poluído que nosso mundo respira e produza com abundância frutos de salvação para todos os nossos irmãos e irmãs aos quais o Senhor nos envia!
5 Cfr. JÜRGEN MOLTMANN, La Catastrofe atomica: e Dio, dov’è?, Urbino, Il Nuovo Leopardi, 1987, p. 11.
6 Ibidem, citando Günther Anders.
7 S. TERESA DI GESÙ BAMBINO, Opere Complete, Roma, Libreria Editrice Vaticana – Edizioni OCD, 1997,
p. 91.
8 Ibidem, 221-223.
9 KARL RAHNER, Siervos de Cristo, Barcelona, Ed. Herder, 1970, p. 206.
10 THOMAS J. J. ALTIZER, Il Vangelo dell’Ateismo Cristiano, Roma, Ubaldini Ed., 1969.

Nenhum comentário:

Postar um comentário