Frei Clarêncio Neotti, OFM
Na história do dogma da Imaculada Conceição e da
devoção à Virgem Maria concebida sem pecado original, destacam-se Santa Beatriz
da Silva e a Ordem religiosa por ela fundada, hoje chamada Ordem das Irmãs
Concepcionistas Franciscanas, ou Ordem de Santa Beatriz ou, simplesmente,
Concepcionistas. No início, a Ordem se chamou Ordem da Conceição da
Bem-Aventurada Virgem Maria, mas como as Irmãs estavam estreitamente ligadas
aos Franciscanos, que lhe davam assistência e subsídio teológico, o povo
espanhol chamava a Ordem de “Concepción Francisca”.
De fato, a Ordem nasceu na Espanha, precisamente
em Toledo, onde, em 1484, Beatriz Menezes da Silva, com doze companheiras, deu
início à nova família religiosa com uma intenção bem definida: contemplar e
difundir o privilégio da Imaculada Conceição de Maria, então ainda apenas
devoção e objeto de complicadas discussões teológicas. Em abril de 1489, o Papa
Inocêncio VIII aprovou a nova Ordem “sob a proteção da Conceição
bem-aventurada”.
Beatriz trouxera do berço a devoção à Virgem
Imaculada. Nasceu em 1426, em Ceuta, costa da África setentrional, de pais
portugueses: Ruy Gomes da Silva e Isabel Meneses. Os pais, aparentados com a
família real portuguesa, trabalhavam na corte e foi em meio ao bulício cortesão
que Beatriz se educou, como disse o Papa Paulo VI, “rica em dons da natureza e
da graça, distinguindo-se desde os primeiros anos por uma singular devoção a
Jesus Cristo e à Virgem Mãe de Deus, sobressaindo por sua prudência, retidão de
vida e progresso nos estudos cívicos e religiosos”. Moça extraordinariamente
bonita, foi dama de honra da Rainha Isabel de Castela. Afastando todas as
pretensões de casamento, emitiu voto de perpétua virgindade e retirou-se para
um mosteiro de Toledo. Mas não se fez religiosa. Por 30 anos viveu como leiga
consagrada. Só em 1484, deu início à nova forma de vida, uma vida enclausurada,
contemplativa, com um carisma monacal bem definido.
Beatriz não conseguiu solidificar a Ordem, porque
faleceu em agosto de 1490. Mas o que é de Deus sempre tem futuro garantido. As
Filhas de Santa Beatriz cresceram no meio de dificuldades e de muita santidade.
Em 1546, a Ordem já contava com mais de quarenta mosteiros, inclusive um no
México. Aliás, as Concepcionistas foram as primeiras religiosas a acompanhar os
missionários na América Latina e Filipinas, sem esquecer que foram também as
primeiras contemplativas que se fixaram no Brasil. A Ordem das Concepcionistas
Franciscanas está hoje presente com quase 200 mosteiros em vários países do
mundo.
Beatriz, que tem um irmão de sangue franciscano e
bem-aventurado (Beato Amadeu da Silva), foi canonizada pelo Papa Paulo VI, no
dia 3 de outubro de 1976, coroando, assim, uma multissecular veneração que o
povo, sobretudo da Espanha, Portugal e América Latina, sempre teve para com
aquela que renunciara à corte e a suas pompas para viver na contemplação e na
difusão do privilégio da Imaculada Conceição de Maria.
Na Ordem de Santa Beatriz surgiram grandes
figuras marianas, como a venerável Madre Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665),
teóloga, mística, missionária, autora do famoso livro “Mística Cidade de Deus:
Vida da Virgem Mãe de Deus”, considerado patrimônio da mística cristã, obra
traduzida para vários idiomas, inclusive o português (tradução feita pela
Abadessa do Mosteiro concepcionista Portaceli, Ponta Grossa, Pr). Poderíamos
ainda lembrar as veneráveis Madre Maria dos Anjos Sorazu (também escritora),
Madre Maria Teresa de Jesus Romero, Madre Mariana de Jesus, Irmã Maria de Jesus
de Puebla (México). Suas causas de canonização estão chegando à fase final.
Os brasileiros não podemos esquecer o nome de
Madre Joana Angélica de Jesus, que deu a vida em defesa das Irmãs, em 1822,
quando as tropas do General Madeira invadiram o sagrado recinto do Mosteiro da
Lapa, em Salvador da Bahia, tornando-se mártir da caridade e a primeira mártir
da Ordem. Os historiadores chegaram a chamá-la de Mártir da Independência. São muitas
as Irmãs que, ao longo de quinhentos anos, brilharam por sua santidade, ainda
que escondidas na clausura, e por sua terníssima devoção à Virgem Maria
concebida sem pecado.
Santa Beatriz e as Concepcionistas estão ligadas
à Imaculada Conceição de Maria como a água está ligada ao mar. O decreto de
aprovação das Novas Constituições (1993) afirma: “Santa Beatriz da Silva deu
origem em Toledo a uma nova família religiosa, que encontra sua raiz e sua
razão de ser na Igreja, na contemplação do mistério da Imaculada Conceição da
Bem-Aventurada Virgem Maria e no empenho por imitar e reproduzir suas
virtudes”. O verbo contemplar e o verbo imitar ocorrem algumas dezenas de vezes
na Regra e nas Constituições da Ordem Concepcionista. A contemplação leva à
imitação. E o esforço de imitar leva necessariamente à contemplação.
Como é possível alguém imitar a Imaculada
Conceição, se todos nascemos marcados pelo pecado original com sua legião de
conseqüências? Encontrei resposta em vários parágrafos das Constituições da Ordem
de Santa Beatriz. Trata-se de imitar o modo como viveu a Virgem Maria, o modo
como ela cumpriu a missão recebida, ou seja, como ela viveu a sua vocação
específica. Primeiro, no silêncio. Não apenas o silêncio da boca fechada,
mas o silêncio dos ouvidos abertos. Ou seja, o silêncio que se transforma em
escuta. Foi o grande elogio que Jesus deu à sua Mãe: “Minha mãe é aquela que
escuta a Palavra de Deus” (Lc 8,21). O escutar tem tanto a ver com o
contemplar, quanto a solidão tem a ver com a comunhão.
Depois, a Concepcionista imita a Virgem Imaculada
na obediência. A palavra ‘obediência’ e a palavra ‘escuta’ têm a mesma origem
semântica. Obediência vem de ob-audire, ou seja, escutar com a máxima atenção.
Obedecer a Deus significa, então, antes de tudo, escutar Deus. E obedecer às
Irmãs significa escutar as irmãs com atenção e atitude acolhedora. Na
espiritualidade franciscana, cultivada pelas filhas de Santa Beatriz, a
obediência não é vertical (a súdita que obedece à superiora), mas horizontal (a
Irmã que escuta e obedece à co-irmã). A obediência, portanto, tem muito a ver
com a comunhão fraterna que, por sua vez, é condição para a verdadeira
contemplação.
As Constituições das Concepcionistas ensinam que
a Irmã imita a Virgem Maria também no serviço. O n. 99 das Constituições lembra
que serviço é, sim, trabalho. Mas é também a responsabilidade de cada uma no
fazer a comunhão fraterna, no construir a comunidade. Aqui toma sentido grande
a afirmação programática de Jesus: “Não vim para ser servido, mas para servir”
(Mt 20,28). O n. 99 tem um terceiro campo que chama de serviço: a vivência da
fé. Pode parecer estranho que se chame a vivência da fé de serviço. Mas o que é
vivência da fé, se não a convivência fraterna, onde cada uma deve ser tudo para
todas e fazer tudo para todas? Viver a realidade de cada dia é trabalhar para
que a realidade de cada dia se torne prenhe de fé e assuma o status de Reino
dos Céus.
As Irmãs Concepcionistas podem viver hoje o mesmo
carisma de Santa Beatriz e Santa Beatriz pôde vivê-lo, porque antes dela o
próprio Filho de Deus e Filho de Maria viveu e tornou-se modelo de todas as
virtudes que vemos e admiramos na Virgem-Mãe Imaculada. De fato, Jesus foi e é
silêncio e escuta, obediência e serviço. Como silêncio e escuta, obediência e serviço
foi a Virgem-Mãe de Jesus. Como silêncio e escuta, obediência e serviço
distinguiram a virgem-mãe Santa Beatriz. Viver o silêncio para poder escutar,
viver a obediência para poder servir é a melhor maneira para uma pessoa ser, de
fato, contemplativa e imitadora do mistério da Imaculada Conceição da
bem-aventurada Virgem Maria.
Dou alguns endereços de Mosteiros de
Concepcionistas no Brasil:
● Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da
Ajuda, rua Barão de São Francisco, 385 – Vila Isabel – 20541- 370 Rio de
Janeiro RJ.
● Mosteiro da Imaculada Conceição da Luz,
Av. Tiradentes 676 – Luz – 01102-000 São Paulo SP.
● Mosteiro da Imaculada Conceição e São
José, Av. Visconde do Rio Branco 2590 – Joaquim Távora – 60055-171 Fortaleza
CE.
● Mosteiro Sagrado Coração de Jesus e
Imaculada Conceição, Rodovia PI 5, km 3. 64800-970 Floriano PI.
● Mosteiro da Imaculada Conceição e Santa
Clara, Rua Maria Domingas Milego 75. 18050-100 Sorocaba SP.
● Mosteiro da Imaculada Conceição, Rodovia
Presidente Dutra, km 234, bairro Santa Beatriz da Silva, 12501-970
Guaratinguetá SP.
A Família franciscana celebra a festa de Santa
Beatriz da Silva no dia 17 de agosto. A oração da festa lembra que, em sua vida
contemplativa e virginal, resplandeceu a devoção à Virgem Imaculada, concebida sem
pecado, Mãe de Deus e nossa mãe.
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?page_id=5490#sthash.XpvpCncV.dpuf