Para onde o Espírito nos impulsiona?
Ninguém sabe com certeza. Aqui e ali surgem pistas que precisam ainda ser testadas e experimentadas. Certamente, a vida dos religiosos e religiosas está em profundíssima transformação. Dizemos que o Espírito aponta direções e horizontes. Não é fácil ver claro. Há neblina. Há aquilo que sabemos e aquilo que virá como resposta às nossas súplicas prementes.
1. Nós, religiosos, como todos os discípulos do
Senhor, respondemos ao seu apelo, ao seu chamamento, à sua convocação
para sermos seus íntimos colaboradores, para fazermos uma profunda
experiência de entrega irrestrita a Deus e aos irmãos. Foi do Cristo
ressuscitado que chegou até o fundo do coração o apelo para seu
seguimento. Tentamos ler os sinais desse chamamento em nossa biografia
pessoal. Temos a certeza da vocação. No meio de todas as tempestades
temos plena consciência desse chamamento. A religiosa idosa que cuida do
refeitório das irmãs, que limpa o corredor, que salmodia na capela, que
aceita os achaques da velhice, que reza toda casta, toda pobre, toda
obediente é uma bênção para a Igreja e o mundo. Na vida consagrada, o
que conta são as pessoas e não, em primeiro lugar, obras e prédios.

3. Estamos convencidos de que quem mostra o caminho é
o Espírito. Ele quer que aceitemos entrar no seu movimento. Não se
trata de fazer por fazer, mas sentir, de fato, para onde o Espírito
sopra. “A recuperação da dimensão espiritual da Igreja consiste não
somente em promover cursos de espiritualidade, mas levar a sério o papel
criador do Espírito em cada um dos batizados. Quando pessoas mais
críticas e criativas são ignoradas ou caladas na vida real da Igreja,
comete-se um pecado contra o Espírito Santo. Se os cristãos quiserem dar
resposta à sede de espiritualidade que o mundo tem teremos, antes de
tudo, que escutar o Espírito que fala pelas pessoas” (Alberto de Mingo, C.SS.R, in Vida Nueva 2414). Muitos rapazes e moças, homens e mulheres maduros com muito carisma, não são aproveitados nas metas que o Espírito sugere.
4. Não é possível imaginar qualquer renovação da
vida cristã e consagrada sem que religiosos e cristãos façam
constantemente profundas e repetidas experiências do Senhor. Não se
trata de um mero recitar de salmos mais ou menos mecânica e
rotineiramente, mas de habitar o próprio interior, deixar-se impregnar
do som da voz de Deus e acolhê-lo num coração modesto e humilde. Não há
outra saída. Os consagrados precisam rever sua vida de intimidade com o
Senhor. O ponto mais importante da vida de uma casa de consagrados é a
vivência e a celebração comunitária da Eucaristia. Não se pode fazer
economia desse aspecto. Todos os esquemas de redesenhamento supõem
homens e mulheres profundamente de Deus. Nossas paróquias ou santuários
serão espaços de formação de leigos com profundíssima vida de oração.
5. Os membros da vida consagrada vivem um tempo de
extrema pobreza: poucas vocações, religiosos idosos e doentes,
tentativas nem sempre bem-sucedidas de redimensionar e redesenhar o
Instituto. Pode ser que nessa extrema pobreza os religiosos estejam
abrindo caminhos novos: poucos religiosos, casas simples, vida fraterna e
missionária, vontade de descobrir o novo. Nada de desânimo: “
‘Levantai os olhos e olhai os campos já brancos, prontos para a
colheita’ (Jo 4,35). Somos convidados a levantar nossos olhos, a ter o
mesmo olhar de Jesus e ver o mundo bom que já tem seus frutos. ‘O
essencial é invisível aos olhos’, diz a raposa ao Pequeno Príncipe. A
“contração” na vida consagrada – e na Igreja – nos obriga a concentrar
no essencial, cuidar de não cair vítima da urgência ou da síndrome de
salvador ou viver num mal-estar que não acaba. O tesouro precioso das
Congregações neste momento, ao meu ver, não são as obras mas as
pessoas. As pessoas, os consagrados haverão de estar no coração da
vida, com as pessoas que encontram. Não se pode viver a vida consagrada à
parte, com o próprio carisma e atividades próprias. Será fundamental
estar no mundo, disposto a perder a ideia de desfraldar a bandeira do
próprio carisma. Não ocupamos uma posição assimétrica com o mundo:
vivemos da reciprocidade. É o estilo da encarnação, é a identidade de
nossa vida” (Rosina Barbari, Un futuro aperto. Vita ‘consecrata’, santità, mondo, La Rivista del Clero Italiano 12/2011, p. 869).
6. Sempre de novo será preciso beber das águas
límpidas dos fundadores. Para viver em comunidade, numa dinâmica de
fundação, de refundação, é preciso aprender a caminhar juntos assumindo
o risco de um amor verdadeiro, onde cada um é acolhido pelo que é, não
pelo que pode fazer ou se pode tirar dele, não pelo que ele quereria
ser. No caminho comunitário, o povo do êxodo, é capaz de atravessar
desertos de nossos tempos para se dirigir com fé e confiança à terra
nova da promessa. Falando de comunidade não se pode esquecer da solidão e
do silêncio. Longe de ser fuga ou isolamento, a solidão faz com que
cada um aceite ser diferente dos outros. “Na solidão perdemos a ilusão
de ser tudo para os outros e ali se mede melhor quanto é necessário
despojar-se da necessidade de consumir ou de ser consumido por eles.
Caminho do desejo, do amor, a solidão é uma prova pela qual devem
passar, em diferentes níveis, os amigos, os esposos e os que vivem em
comunidades” ( cf. Une manière de vivre. Les religieux aujourd’hui, Philippe Lécrivain, Lessius, Bruxelles, 2009, p. 168).
Quando se fala em comunidade, não se pode esquecer o silêncio: “Na
vida comum, convém aprender a acolher o sempre estranho que é o outro e
não reduzi-lo ao que já é conhecido. Para tanto, é preciso aprender a se
calar e aceitar serem questionadas algumas certezas”.
7. Nossas casas serão simples, nosso vestir modesto,
nosso coração aberto, nossa criatividade sem limites, nosso interior
sempre sedento de verdadeiros encontros, nossa vida como uma vela acesa
que se consome. Transpiraremos serenidade e alegria e não haveremos de
destilar pessimismo.
8. Nossa missão no mundo? Estar presente onde
pudermos. Com modéstia, mas com transparência. Marie-Étienne Bély, em
instigante texto publicado em Esprit et Vie, oct. 2001,
disserta sobre o mundo a ser evangelizado. Diante da lógica da
engrenagem da força: “Todos sabemos, ao menos depois de Gandhi, que a
prática da não-violência nas relações humanas supõe inteligência e
imaginação, infinita paciência e respeito pelo outro. Este conjunto de
atitudes engendra uma ética do olhar, por exemplo, não fechar os olhos
diante das múltiplas facetas do ser humano: horrores para serem
denunciados, realçar o que há de bom, sem exagerar com sofreguidão tanto
no positivo quanto no negativo; uma ética da palavra (falar do outro
em sua ausência como se ele estivesse presente) o que faz secar a fonte
da maledicência; uma ética do ouvido (capacidade de tudo ouvir com
discrição), em outras palavras, domínio sobre si mesmo que saiba
integrar as forças vivas da pessoa do conjunto e nunca desesperar”.
9. Diante da lógica do dinheiro responder pela
gratuidade e a contemplação: “Num mundo marcado pelo aleatório, o
arbitrário, o vago, a multiplicidade de escolhas, a tarefa que cabe aos
cristãos é a educação para o querer, orientar para finalidades que não
sejam apenas de hoje, imediatas, aprender a vencer-se a si mesmo, sem
competição nem rivalidade”. Uma vida que não se erga sobre oscilações
das bolsas”. Os franciscanos são homens e mulheres da desapropriação,
do êxtase diante do Deus rico que nos cumula de bens, pessoas que
aprendem assim a dar a vida pelos outros.
10. Dois grandes campos de atividade se desenham
diante do horizonte dos franciscanos, religiosos ou leigos: um sério e
profundo trabalho de educação do ser humano todo desconjuntado,
desarrumado, perdido, asfixiado, dopado, tonto por tantos ruídos e um
empenho seríssimo de formação do cristão. Não se trata apenas de uma
catequese meio up to date. Nossas casas serão centros de
formação de cristã, de catequese em todos os níveis e em todos os
sentidos. Esse trabalho de educação à fé haverá de ser feito pela
família. Pelos corredores de nossos locais de atividade, de nossas
paróquias haverão de circular casais e famílias.
11. Estar à escuta do mundo contemporâneo significa
detectar as grandes interrogações dos homem moderno. Qual o sentido da
vida? Como viver profundamente o amor? Como ajudar as novas gerações a
se aprumarem na vida? Como alimentar no fundo do coração a saudade de
Deus? Como reagir a um mundo de aparência, de salve-se-quem-puder, de
individualismo? Os religiosos darão o testemunho de viverem na paz e na
alegria em suas fraternidades. Alguém escreveu que a amizade fundada na
verdade, a vida fraterna, constituem verdadeiros laboratórios de
educação para a autonomia e para a liberdade pessoal. As pessoas não
podem continuar a existir despersonalizadas, como se fossem joguetes de
uma sociedade imoral que não respeita seu mistério. Os religiosos e os
cristãos serão profetas, fermento e testemunhas para o serviço da
palavra e para fazer com que as pessoas reencontrem o caminho do
coração. Tudo com muita simplicidade, sem alarido, sem confusão, sempre
numa postura de pobreza e de despojamento.
Afinal de contas, para onde o Espírito está nos impulsionando?
Fonte: www.franciscanos.org.br